Somos seres sociais. Por isso, é comum a gente se reunir para resolver nossos problemas, sejam eles referentes à nossa sobrevivência ou à evolução das nossas organizações.

Ao final de uma reunião, cada participante terá uma impressão do que se passou nela. O ideal, no entanto, seria que todas as pessoas sentissem que o progresso foi feito em um ambiente positivo. É a sensação que chamo de “encontro com produtividade e bem-estar”.

Existem muitos métodos para se organizar uma reunião. Neste artigo gostaria de mostrar um deles, a partir de um caso real, com o objetivo de alcançar coletivamente essa sensação  tão desejada, de que trato aqui.

Situação inicial

Na Asociación Catalana para el Fomento de la Economía del Bien Común da qual participo, temos uma reunião mensal em que são tratados os temas de interesse atual. Essa reunião frequentemente se estendia além do horário programado.

Nem todas as pessoas que participavam colocavam seus temas na pauta antes da reunião, então surgiam várias sugestões de temas no decorrer dela, dificultando o cumprimento do cronograma estabelecido.

Outro ponto é que essa é uma reunião de coordenação; ela não é não executiva. O objetivo é apresentar propostas que serão desenvolvidas posteriormente e não desenvolvê-las naquele momento. Mas havia quem não tivesse clareza em relação a isso. 

Além disso, algumas pessoas falavam demais e outras vozes não eram ouvidas, o que prejudicava o bem-estar do grupo.

Tendo participado de treinamentos de sociocracia e de alguns círculos da Sociocracia Prática, sugeri ao conselho que deveríamos implementar a sociocracia como método de governança na associação.

Resistência inicial a mudança

O projeto não recebeu apoio unânime de imediato. Houve resistência de algumas pessoas-chave da organização.

Logo entendi que um ponto que gerava essa resistência era a falta de vontade para fazer o treinamento inicial. Muitas pessoas não tinham como dispor de mais tempo além do que já ofereciam à associação. A maior parte do trabalho na associação é voluntário, sendo poucos os projetos com retorno financeiro.

Proposta de mudança possível

“O primeiro passo não nos leva ao nosso objetivo, mas faz com que a gente saia de onde estamos” – diz meu amigo Josian.

Decidi propor uma implementação lenta para reduzir as resistências iniciais.

Considerei que o primeiro passo para mudar em direção à produtividade com bem-estar seria adotar uma agenda / ata de reunião sociocrática e que as reuniões passassem a ter uma facilitação clara e intencional. Para mim, foi uma forma interessante de iniciar a implantação da sociocracia.

Creio que para um projeto funcionar em uma organização é preciso que ele se baseie na cultura ali existente, e que sua execução seja factível. Percebi que iniciar o projeto com a proposta de fazer um grande treinamento de sociocracia na associação o inviabilizaria. Assim, busquei maneiras de introduzir a formação sem criar resistência.

Além da agenda / ata e facilitação, esse caminho de implementação incluiu:

• A criação de um roteiro para explicar como trabalhar com uma agenda / ata sociocrática.
• Definição da pauta da reunião com antecedência,incluindo as propostas de trabalho na  ordem do dia da reunião.
• Conscientização de que o trabalho em si é realizado fora da reunião.
• Introdução de cápsulas de treinamento de processos sociocráticos durante as reuniões.
• Incentivar a criação de círculos sociocráticos para o desenvolvimento das propostas apresentadas nas reuniões.

Resultados

Depois de seis meses (as reuniões são mensais), recebi os parabéns pelos resultados em termos de produtividade e bem-estar.

A eficiência das reuniões aumentou: antes elas chegavam a durar até 4 horas; hoje, elas mantêm a duração prevista, de 2 horas. 

Além disso, a definição prévia do tempo que cada participante tem para fazer suas propostas estimula a participação de todo o grupo, e isso, associado ao maior entendimento em relação à forma como cada tema será tratado (informação – exploração – decisão), fez com que todo mundo se sentisse mais à vontade no encontro.

Agora, a organização já tem seus primeiros círculos sociocráticos.

Detalhes adicionais

(Para maior compreensão)

• Adoção de agenda / ata no estilo sociocrático: iniciar uma reunião com uma pauta contendo itens claros e o tempo definido para a abordagem de cada item gera eficiência.
• Roteiro para explicar como trabalhar com uma agenda / ata sociocrática: para que todas as pessoas do grupo entendam como funcionam as reuniões com uma agenda / ata sociocrática. Esse roteiro, no caso, também serviu como treinamento inicial mínimo necessário para trilhar o caminho da mudança.
• Facilitação do encontro: necessária para alcançar a produtividade com bem-estar e também permitir uma melhor organização do encontro, resultando em mais eficiência. A facilitação deve seguir a forma sociocrática, com dois objetivos:
  • cuidar do fluxo de abordagem dos temas, dando ritmo ao encontro e respeitando os horários agendados, e
  • acompanhar as pessoas que estão participando da reunião, para estimular a participação de todas e evitar debates improdutivos.
• Definição dos temas a serem discutidos dias antes da reunião: permite que quem vai facilitar a reunião se prepare para isso e que as pessoas que irão participar dela já pensem sobre os tópicos de que ela irá tratar.
• Limitar a atividade à apresentação das propostas de trabalho na ordem do dia / ata da reunião: as reuniões de coordenação são mais eficientes para tratar das propostas e melhorá-las usando a inteligência coletiva. A execução das propostas requer mais tempo e um foco diferente. Assim, o convite é para que o trabalho em si seja desenvolvido fora das reuniões gerais, em grupos de trabalho.
• Introdução de cápsulas de treinamento de processos sociocráticos nos encontros: uma vez que eu considerava o treinamento essencial para que pudéssemos avançar no caminho para a mudança, mas sabia que havia uma resistência inicial em dedicar tempo específico ao treinamento, decidi introduzir cápsulas de treinamento a partir do quarto encontro, quando as pessoas participando das reuniões já haviam experimentado o novo formato.
• Incentivar a criação de círculos / grupos de trabalho sociocrático, para a realização de propostas de trabalho. É importante estimular a criação de círculos de trabalho sociocrático como forma de continuar difundindo e praticando a sociocracia dentro da organização. Esses círculos geralmente são compostos por menos pessoas e, portanto, permitem que elas trabalhem de uma forma mais direta, integrando também mais elementos da sociocracia.